Por Ilupi
6 minutos de leitura

Fomos convidados pelo comitê de Propriedade Intelectual da ICC (International Chamber of Commerce) para participar, em conjunto com especialistas de vários países, da elaboração de um guia prático sobre valoração de propriedade intelectual. O guia está em fase final de revisão e em breve deve ser “lançado”.

Escrever sobre o tema nos faz organizar as ideias, então aproveitamos para compartilhar um pouco das reflexões que surgiram durante a elaboração do material.

Particularidades da valoração de propriedade intelectual

Sabemos que o valor de qualquer ativo (tangível ou intangível) pode ser estimado pela expectativa do seu benefício econômico futuro. Quanto mais precisa a estimativa desses benefícios, mais assertiva a valoração desse ativo.

Olhando para um ativo de propriedade intelectual (por exemplo, marcas ou patentes), o principal objetivo costuma ser o de se obter exclusividade de uso deste ativo sobre competidores em determinado mercado ou aplicação tecnológica. Dessa forma, o valor econômico dessa marca ou patente deveria estar relacionado ao valor econômico proporcionado por essa exclusividade.

Já escrevemos em outros materiais que uma marca ou patente não possui um valor absoluto. Esse valor depende de como e por quem o ativo será explorado. Sem isso, qualquer estimativa de valor poderia ser algo pouco realista.

Vale destacar que a incerteza também tem um papel importante na valoração de marcas e patentes. Aqui podemos destacar três grandes grupos de incertezas:

  • De proteção ou legal (por exemplo, a patente será mesmo concedida? Pode haver algum problema regulatório envolvido na sua exploração?);
  • tecnológica (por exemplo, o desempenho técnico será mesmo o esperado?);
  • mercadológica (por exemplo, minhas vendas serão mesmo as estimadas?).

Esses aspectos trazem subjetividade à valoração de ativos de propriedade intelectual e torna esse tema desafiador tanto para a academia quanto para instituições que valoram ativos de propriedade intelectual.

Variáveis chave

Algumas variáveis têm influência significativa na valoração de marcas e patentes. Alguns dos principais são os seguintes:

  • Contexto da valoração: qual o modelo de negócio de exploração da PI, qual o benefício esperado, quem terá o benefício?
  • Duração: por quanto tempo esse benefício deve existir?
  • Incertezas: aspectos técnicos, legais e mercadológicos (mencionados acima);
  • Aspectos geográficos: onde esses ativos de PI gerarão valor?
  • Outros, como impostos, juros, etc.

 Objetivos de se valorar

Sempre falamos que a valoração de propriedade intelectual não pode ser um fim em si. Ela deve ser parte de um processo ou tomada de decisão mais amplos. Como um parênteses, temos visto que em alguns casos é possível se tomar decisões sem a necessidade de, efetivamente, valorar (como no caso de revisão de portfólio de patentes)

Nós temos classificado os objetivos de se valorar em 3 grandes grupos:

1.  Negociações & Transações

  • Transferência ou licenciamento de marcas e patentes: nesse caso tem o papel de apoiar o processo de negociação. Normalmente, “comprador” e “vendedor” possuem diferentes perspectivas do valor do ativo de PI por diversos motivos (assimetria de informações, entendimento dos benefícios ou mesmo abordagem de valoração). O processo de negociação ocorre justamente para que um valor que satisfaça ambos seja atingido.
  • Fusões, aquisições, alianças estratégicas e Joint Ventures: em algumas situações de fusões e aquisições de empresas, o portfólio de PI pode ter valor econômico significativo e impactar bastante na negociação (em alguns casos, é o principal ativo em negociação). Além da própria negociação do valor das companhias, pode ser necessário realizar uma valoração complementar para fins contábeis ou de impostos, dependendo das normas de cada país.
  • Garantias para empréstimos ou financiamentos: apesar de ser uma prática pouco comum no Brasil (dentro do nosso conhecimento), existem casos de empresas que possuem valiosos ativos de propriedade intelectual que podem ser usados como garantias. Isso pode ser especialmente interessante para empresas nascentes com pouca capacidade de investimento e poucos ativos para oferecer como garantias. No Brasil, temos visto que, pela alta volatilidade, limitada liquidez e desafios de valoração, são raras as situações em que se utilizam ativos de PI como garantia.
  • Outros: há aplicações ainda mais específicas, como para o caso de se fazer seguro dos ativos de PI, para doação com fins de filantropia (que em alguns casos gera benefícios fiscais) e sucessão (direito de herança), em que a valoração pode ser necessária.

2.  Tomada de decisão interna de uma instituição

  • Decisões de pesquisa e desenvolvimento ou mercadológicas: uma das formas de se avaliar sobre o investimento inicial ou intermediário em um projeto de pesquisa e desenvolvimento ou mesmo sobre o lançamento de novos produtos no mercado é através da avaliação econômica dessas iniciativas que, muitas vezes, estão baseadas em ativos de propriedade intelectual (ou seja, a valoração dos ativos de PI é parte do processo).
  • Gestão de portfólio: uma das formas de se subsidiar decisões de abandono, licenciamento ou manutenção de ativos de propriedade intelectual é através da valoração dos seus benefícios futuros em relação aos seus custos de manutenção.
  • Enforcement de direitos de propriedade intelectual: quando um direito de propriedade intelectual está sendo infringido por terceiros, a parte detentora dos direitos pode fazer uso da valoração para definir a melhor forma de responder à infração. Por exemplo, em casos em que o dano econômico é pequeno, uma negociação direta pode ser seguida, enquanto em outros casos alternativas de mediação ou ações judiciais podem ser escolhidas.

3.  Outros

  • Fins fiscais: algumas empresas conseguem otimizar o planejamento tributário considerando transações de PI feitas com outras empresas ou mesmo entre unidades em diferentes países. Para permitir esses benefícios, as autoridades fiscais normalmente exigem alguma valoração que justifique os valores declarados.
  • Contabilização de relação com investidores: é sabido que boa parte do valor das empresas, em especial daquelas com viés tecnológico, está baseado nos ativos intangíveis. Existem normas internacionais (IFRS / IASB) que preveem a contabilização desses ativos com o objetivo de aumentar a transparência com o mercado. Nesse caso, a norma prevê o que pode e o que não pode ser contabilizado, além de definir a(s) abordagem(ns) mais adequada(s) para cada situação.

Conclusão

Este material traz algumas das reflexões mais recentes que temos tido sobre valoração de ativos de propriedade intelectual e tem o papel de reforçar a aplicabilidade da valoração – em especial não a posicionando como fim e sim como meio.

Caso tenha alguma dúvida ou sugestão sobre conteúdos sobre gestão ou valoração de ativos de propriedade intelectual que podem ser relevantes, fique à vontade para falar conosco

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